Fé é um tema difícil, sua natureza abstrata moldou a história desde os primórdios, se tornando um pilar de extrema influência e essencialidade na vida de quase todas as pessoas. Cada parte do mundo possui um tipo de fé que referência aspectos intrínsecos de suas respectivas sociedades. Budismo, cristianismo, islamismo… religiões criadas a partir de um tema em comum, nossa necessidade ancestral de saber tudo aquilo que não sabemos. Criar respostas e hipóteses que nos distraia do fim mais previsível de todos. Uma conclusão para nossa história, um acerto de contas com nossos erros, um acalento que nos faça suportar a dor de perder alguém para sempre. E é em meio a esse embate milenar que “Herege” procura discorrer nossas nuances sobre o que realmente acreditamos em um mundo com tantas pessoas nos dizendo no que acreditar.
Na obra acompanhamos duas missionárias que devotam seus dias em espalhar as palavras e ensinamentos de sua igreja, estão a caminho da casa de um senhor simpático que parece ser o único da região a se mostrar um pouco mais receptivo aos ensinamentos. Entretanto, de uma forma sutil, suas perguntas e argumentos caminham dubiamente entre o interesse e o sadismo em apontar as incongruências que tem percebido no decorrer de sua vida. Não demora muito para se instaurar um clima pesado de tensão escondida debaixo da educação quase caricata em não incomodar.
Com um texto ágil e atuações que ressaltam detalhes importantes nas nuances em se discutir um tema delicado, o filme caminha a passos lentos, mas sem se deixar parar, sempre nos provocando com reflexões e questionamentos inquietantes sobre nossas crenças. Destaque para Hugh Grant que rouba a cena sempre que aparece, seus trejeitos informais e despreocupados conflitam com seu texto acido e voz oscilante, ora acolhedora, ora opressora. As duas missionarias não ficam atrás, suas personalidades se imprimem em poucas cenas de diálogos e suas expressões corporais dão cabo de transmitir a tensão que não é passada em suas falas.
Um olhar rápido em uma brecha de distração, o tom das palavras do dizer uma coisa querendo dizer outra, o que agrega bastante em suas reviravoltas. A direção é contida em certas partes, mas se permite se divertir quando há oportunidade para isso e sua conclusão consegue fechar bem a mensagem, sem descredibilizar a fé ou as religiões num geral ao mesmo tempo que cutuca as hipocrisias cíclica comum nesses tipos de discussão.
Herege pode se tornar um filme incômodo para algumas pessoas, mas é na dualidade entre fé ser o tema que une o mundo e o que mais o divide, que ele se torna tão marcante.
O filme estreia dia 20 de novembro nos cinemas.
Texto por Emídio Freitas.